A tão aguardada demonstração do projeto Andar de Novo, dirigido pelo
neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, começou e terminou num
piscar de olhos. Foi tão rápida que a transmissão ao vivo pela televisão
quase que perdeu o evento por completo. Durou cerca de dois segundos. E
deixou de fora a parte mais aguardada do espetáculo: a do “andar”.
A expectativa era de que um paciente paraplégico caminharia no
gramado da Arena Corinthians e chutaria uma bola, usando para isso uma
veste robótica (exoesqueleto) controlada pelo cérebro. O que aconteceu,
porém, foi bem menos do que isso. Só um chute.*
Quando as câmeras se viraram para o paciente, ele estava parado sobre
uma pequena plataforma vermelha, sendo segurado por duas pessoas – uma
de cada lado do robô. Seu único movimento foi mover o pé direito
ligeiramente para a frente, tocando uma bola de futebol que rolou até as
mãos de um garoto, que a levou correndo para o centro do gramado, onde a
cerimônia de abertura da Copa estava acontecendo. Nicolelis não aparece
no vídeo.
“Foi um grande gol dessas pessoas e da nossa ciência”, disse
Nicolelis, referindo-se aos oito pacientes que participaram da pesquisa,
em nota divulgada por sua assessoria de imprensa. Nenhuma entrevista
coletiva foi organizada, nem antes nem depois do evento. No Twitter, o
cientista comemorou o feito com um post em inglês: “We did it!!!”
(Conseguimos!!!).
Vídeos de pacientes caminhando com o exoesqueleto no laboratório do
projeto em São Paulo foram publicados pouco depois da demonstração, na
página de Nicolelis no Facebook. Nesses vídeos, o exoesqueleto aparece
sustentado a todo momento por cabos presos a uma estrutura de metal
acima dele, de forma que os pés dos pacientes tocam o solo apenas
suavemente a cada passo. Estão caminhando, literalmente, pendurados: http://migre.me/jMUMB
O exoesqueleto pesa entre 60 e 70 quilos. Somado ao peso do usuário, o
conjunto paciente-máquina deveria pesar algo entre 120 e 140 quilos. A
pessoa vestindo o robô chegou à beira do gramado transportada por um
carrinho motorizado (semelhante aos que são usados para retirar jogadores machucados do campo).
Comentaristas da televisão disseram que a Fifa não autorizou que a
demonstração fosse feita no centro do gramado, porque o peso do robô
danificaria a grama. Procurada pelo Estado, a assessoria de imprensa do projeto não confirmou a informação.
Nicolelis disse em entrevista ao Jornal Nacional que a Fifa havia
prometido 29 segundos para a demonstração. “Nós realizamos em 16, e pelo
visto a Fifa não estava preparada para filmar”, disse. (http://g1.globo.com/jornal-nacional/)**
Usuário. O paciente que participou da demonstração
foi identificado como Juliano Pinto, um atleta de 29 anos que mora em
Galícia, uma pequena cidade do interior paulista. Os nomes dos outros
sete voluntários também foram divulgados. Ao todo, seis homens e duas
mulheres, todos do Estado de São Paulo. (http://migre.me/jN9sl)
O projeto foi financiado pelo governo federal, que deu R$ 33 milhões
para a montagem do exoesqueleto e a realização dos testes clínicos. A
demonstração da Copa teve apoio financeiro do Itaú Unibanco, em valor
não divulgado.
Pelas imagens de ontem, não foi possível fazer qualquer tipo de
avaliação técnica sobre o grau de controle cerebral usado para realizar o
“chute”. Os detalhes científicos e o grau de inovação tecnológica do
projeto só poderão ser avaliados por outros pesquisadores após a
publicação dos resultados em revistas científicas especializadas – o que
deverá acontecer nos próximos meses, segundo a assessoria de imprensa
do projeto.
Para mais informações sobre o Andar de Novo e outros projetos voltados para a reabilitação de paraplégicos, veja: Nicolelis e o show da Copa
*OBS1: Tecnicamente, a definição do movimento como um “chute”
propriamente dito é questionável. O paciente não dobra o joelho ou
desloca seu centro de gravidade de maneira significativa. Seu pé se move
alguns centímetros para frente e toca uma bola que foi colocada
diretamente à sua frente naquele momento. Do ponto de vista biomecânico,
o paciente não se levantou, andou nem chutou.
**OBS2: Não está claro o que aconteceu nesses 16
segundos. Procurada pela reportagem após o evento, a assessoria de
imprensa do projeto afirmou que o exoesqueleto não realizou nenhum momento que não tenha aparecido nas imagens da TV. O único movimento executado foi, de fato, o “chute”.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br/herton-escobar/exoesqueleto-chuta-bola-na-abertura-da-copa/
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